quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Desprendimento dos Bens Terrenos



Lacordaire - Constantina, 1863  | página: 197


14 - Venho, meus amigos, trazer o meu auxílio para ajudá-los a caminhar corajosamente na via do aperfeiçoamento em que entraram. Somo devedores uns dos outros, e somente pela união sincera e fraternal entre os Espíritos e os Homens é que esse melhoramento será possível.

O apego aos bens terrenos é um dos maiores obstáculos ao adiantamento moral e espiritual do homem. Pelo desejo de possuírem esses bens, destroem seus sentimentos de afetividade e colocam suas energias inteiramente na conquista das coisas materiais. Sejam sinceros: a riqueza proporciona uma felicidade sem problemas? Quando os cofres estão cheio, não existe sempre um vazio no coração? Será que no fundo dessa cesta de flores não existe sempre um réptil escondido? Deus aprova e considera muito justa a satisfação sentida pelo homem que, através de um trabalho honrado e constante, consegue sua fortuna. Porém, dessa satisfação a um apego que absorva todos os outros sentimento e provoque a fieza do coração existe uma distância tão grande quanto a que separa a mesquinhez do esbanjamento, dois vícios entre os quais Deus colocou a caridade, santa e salutar virtude, que ensina o rico a dar sem orgulho para que o pobre receba sem humilhação.

Quer a riqueza tenha vindo de família, quer tenha sido adquirida pelo trabalho, existe uma coisa que não devem esquecer nunca: tudo o que vem de Deus retorna a Deus. Nada, na Terra, pertence aos homens, nem mesmo o corpo que usam: a morte os liberta do corpo como de todos os bens materiais. Considerem-se como aqueles a quem foi confiado um depósito; por isso, não são proprietários, não se enganem. Deus emprestou a vocês e devem Lhe restituir, pois Ele empresta sob a condição de que, pelo menos, o supérfluo reverta em favor daqueles que não têm o necessário.

Quando um amigo empresta um dinheiro, mesmo que vocês não sejam honestos, existirá sempre a obrigação de devolver o empréstimo e ainda ficarem agradecidos. Essa também é a posição de todo homem rico, pois Deus é o amigo celeste que lhe emprestou a riqueza. Ele não pede nada além de amor e reconhecimento, mas exige que o rico dê aos pobres, que, assim como ele, também são Seus filhos.

Os bens que Deus confia aos homens despertam uma ardente e louca ambição em seus corações. Ao se apegarem loucamente a uma riqueza, tão perecível e passageira quanto o corpo que utilizam, esquecem que um dia terão que prestar contas ao Senhor do que Ele lhes emprestou. A riqueza lhes impõe o título de ministros da caridade na Terra, e terão que distribuí-la com inteligência. Quando utilizam a riqueza em benefício próprio, tornam-se iguais àqueles a quem foi confiado um depósito e dele não souberam cuidar. O esquecimento voluntário dos deveres se acabará com a morte, que rasgará o véu debaixo do qual se escondem. Então, terão que prestar contas até mesmo para com aquele amigo esquecido, que um dia os ajudou e que, nesse momento, se apresenta diante de vocês com a autoridade de um juiz.

É em vão que na Terra procurem se iludir, chamando de virtude o que, frequentemente, não passa de egoísmo. O que chamam de economia e previdência não passa de ambição e pão-durismo. O que chamam de generosidade não passa de esbanjamento em favor próprio. Ao deixar de fazer a caridade, um pai de família economiza, junta ouro sobre ouro e diz que tudo isso é para deixar seus filhos com a maior quantidade de bens possíveis, evitando, assim, que eles caiam na miséria. É muito justo e paternal e não se pode censurá-lo por isso, mas será esse o único objetivo a orientá-lo? Não estará ele, muitas vezes, se desculpando para com sua própria consciência? Justificando aos próprios olhos e aos olhos do mundo o apego pessoal aos bens terrenos? Admitindo-se que o amor paternal seja seu único propósito, será isso motivo para esquecer seus irmãos perante Deus? Se ele mesmo já tem o supérfluo, deixará seus filhos na miséria, só porque terão um pouco menos desse supérfluo? Não estará ele dando uma lição de egoísmo e endurecendo o coração de seus filhos? Não estará ele desestimulando-os a praticar o amor ao próximo? Pais e mães, vocês cometem um grande erro acreditando que, desse modo, conseguirão maior afeição de seus filhos. Se eles são ensinados a serem egoístas com os outros, também serão com vocês.

Quando um homem acumula bens pelo suor de seu trabalho, ouvimos dizer frequentemente: "Quando o dinheiro é ganho com esforço, sabemos lhe dar o valo". Nada pode ser mais verdadeiro. Se esse homem que diz conhecer o valor do dinheiro, fizer a caridade segundo suas possibilidade, terá um mérito muito maior do que aquele que já nasceu rico e desconhece as difíceis fadigas do trabalho. Porém, se esse homem que recorda do esforço e do sofrimento que passou para adquirir sua fortuna, se tornar egoísta, insensível para com os pobres, será bem mais culpado do que aquele que já nasceu rico. Porque, quanto mais cada um conhece, por si mesmo, as dores ocultas da miséria, mais deve se empenhar em ajudar os outros.

Infelizmente, o homem de posses sempre carrega consigo um outro sentimento, tão forte quanto o apego à riqueza; é o sentimento do orgulho. É comum ver-se o novo-rico importunar o infeliz que implora sua ajuda, com o relato de suas obras e de suas habilidades. Em vez de ajudá-lo, ainda lhe diz: "Faça como eu fiz". Em sua opinião, a bondade de Deus em nada influiu para que ele conquistasse sua riqueza. O mérito cabe somente a ele. Seu orgulho lhe coloca uma venda nos olhos e lhe tapa os ouvidos. Apesar de toda sua inteligência e capacidade, não compreende que Deus pode derrubá-lo com uma só palavra.

Desperdiçar a riqueza não significa desprendimento dos bens terrenos; é antes, descaso e indiferença. O homem, como administrador desses bens, não tem o direito de esbanjá-los ou usá-los em benefício próprio. O gasto irresponsável não é generosidade; é, quase sempre, uma forma de egoísmo. Aquele que esbanja ouro para satisfazer uma fantasia, talvez não dê um centavo para prestar um auxílio. O desprendimento dos bens terrenos consiste em dar à riqueza o seu verdadeiro valor, em utilizá-la em favor dos outros e não somente em benefício próprio, em não sacrificar, por ela, os interesses da vida futura. Desprendimento dos bens terrenos também consiste em perder a riqueza sem reclamar, se Deus assim julgar necessário. Se, por uma infelicidade inesperada, ficarem como , digam o mesmo que ele: "Meus Deus, o Senhor me deu, e o Senhor me tirou, que seja feita a Sua vontade". Eis o verdadeiro desprendimento.

Sejam, antes de tudo, submissos. Tenham fé Naquele que, assim como deu e tirou, pode devolver. Resistam, com coragem, ao abatimento, ao desespero que paralisa as forças. Nunca esqueçam que, ao lado de uma prova difícil, Deus sempre coloca uma consolação. Existem bens infinitamente mais preciosos que os bens da Terra, e esse pensamento os ajudará a se desprenderem deles. Quanto menos valor derem a uma determinada coisa, menos sensíveis ficarão em relação a sua perda. O homem que se apega aos bens da Terra é como uma criança que apenas vê o momento presente. Aquele que não se apega aos bens terrenos é como o adulto, que vê somente as coisas mais importantes, pois compreende as palavras proféticas do Salvador: "O Meu Reino não é deste mundo".

O Senhor não solicita a ninguém para que se desfaça daquilo que possui e se torne mendigo voluntário, poque, nesse caso, essa pessoa seria uma carga a mais para a sociedade. Agir desse modo é compreender mal o ensinamento do desprendimento dos bens terrenos. É, antes, outro tipo de egoísmo, pois essa pessoa estará fugindo à responsabilidade que a riqueza faz pesar sobre os ombros de quem a possui. Deus dá a riqueza a quem Lhe parece ser bom para administrá-la em benefício de todos. O rico tem, portanto, uma missão que ele pode tornar bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a riqueza quando é dada por Deus, é renunciar ao bem que se pode fazer administrando-a com sabedoria. Saber viver sem a riqueza quando não temos, saber empregá-la utilmente quando a possuímos e saber sacrificá-la quando for necessário é agir de acordo com a vontade do Senhor. Aqueles que recebem uma boa fortuna devem dizer: "Meu Deus, o Senhor me enviou uma nova tarefa, me envia também as forças para desempenhá-la segundo a Sua santa vontade".

Eis, meus amigo, o que eu queria ensinar quanto aos desprendimento dos bens terrenos, e resumirei, dizendo: Aprendam a se contentar com pouco. Se forem pobres, não invejem os ricos, pois a riqueza não é necessária para a felicidade. Se forem ricos, não esqueçam que seus bens lhes foram confiados, e que terão que justificar o emprego que fizerem deles, como quem preta contas sobre um empréstimo recebido. Não façam como aquele a quem foi confiado um depósito e dele não soube cuidar, fazendo com que servisse apenas para satisfação do orgulho e da sensualidade. Não se julguem com o direito de aproveitar, somente em benefício próprio, a riqueza recebida: ela não lhes foi dada, e sim emprestada. Se não sabem fazer com que ela frutifique, não têm o direito de pedir. Lembrem-se de que aquele que dá aos pobres, salda a dívida que contraiu com Deus.

Transmissão da Riqueza
São Luís - Paris, 1860

15 - O homem é apenas o depositário da fortuna que Deus lhe permite utilizar durante sua vida na Terra. Após o desencarne, terá ele o direito de transmitir essa fortuna a seus descendentes?

O homem, ao desencarnar, pode perfeitamente transmitir os bens que utilizou durante a vida, mas a consolidação desse desejo estará sempre subordinada à vontade de Deus, pois Ele pode, quando quiser, impedir que os descendentes recebam esses bens. É por isso que vemos ruírem fortunas que pareciam solidamente constituídas. Assim, o homem é impotente quanto à vontade que possui de querer manter sua fortuna em família. Porém, isso não lhe tira o direito de transmitir o empréstimo que recebeu, uma vez que Deus poderá retirá-lo de seus descendentes, se assim achar necessário.

O Evangelho Segundo o Espiritismo | Allan Kardec | Por Claudio Damasceno Ferreira Junior Capítulo 16 | Página 188 | Não se Pode Servir a Deus e a Mamon

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